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Arte & manhas | A tristeza que nos faz tão semelhantes e criativos

Por: Luís Bogo
18/09/2023 10:10
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Os seres humanos são semelhantes entre si. Diferem apenas nos detalhes relativos a peso e altura; às cores de suas peles, olhos e cabelos; no timbre da voz ou nos formatos de nariz e queixo.

Porém, todos foram feitos para caminhar sobre duas pernas e dispõem de faculdades mentais e motoras parecidas embora nem sempre equivalentes, pois os talentos são diversificados para que cada um assuma a tarefa mais condizente com suas habilidades naturais, de modo que a vida em sociedade seja facilitada pela interação de talentos que se complementam e harmonizam.

Da mesma forma que mantém semelhanças físicas, os homens, basicamente, costumam desejar as mesmas coisas e perseguir objetivos comuns (para não dizer banais): conforto; sucesso nos negócios e nos relacionamentos sociais, amorosos ou conjugais; sorte no jogo; tempo bom e temperatura agradável para voar, caminhar ou navegar; e, sobrando algum espaço na agenda da memória, paz na terra àqueles de boa vontade.

Costumam pedir aos deuses que os livrem de enchentes, maremotos e tsunamis; de furações e terremotos; de doenças, epidemias e pandemias e até mesmo daquele mosquito que lhes perturbam o sono, provocando irritação aos ouvidos e coceira na pele. Também imploram aos céus que os livrem do trabalho forçado ou exagerado, concedendo-lhes O Direito à Preguiça, conforme escreveu Paul Lafargue no longínquo ano de 1880 da era cristã: “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos.”

Todos têm a possibilidade de alegrar-se por circunstâncias felizes, seja pelo amor correspondido ou pelo prêmio da loteria; pela chuva na lavoura ou na roseira; pela manhã de sol na praia, pela noite amena e estrelada, pela madrugada de bons sonhos. Para os psicólogos, a alegria é um estado emocional que traz a sensação de prazer e bem-estar. Para os filósofos a alegria é um processo ininterrupto de realização humana, e desde Epicuro, nascido três séculos antes de Cristo, sabemos que “o caminho para a felicidade é parar de preocupar-se com o que está além do nosso poder.”

O riso e as gargalhadas expressam breves instantes de prazer. São o resultado de pílulas de alegria que eventualmente experimentamos através dos nossos cinco sentidos: de palavras doces que ouvimos, de delicados doces que provamos, da música suave e doce que ouvimos, de doces toques que recebemos na pele ou nos cabelos e pelo perfume selvagem e doce das flores e frutos dos bosques. A repetição destes momentos de contentamento, provocados por atitudes positivas, é que nos leva ao estado de espírito que chamamos felicidade.

Se nas alegrias nos identificamos pelo riso, também podemos nos assemelhar quando a tristeza se estabelece em nossas almas. A diferença na forma de expressão de cada um dos sentimentos ultrapassa os músculos da face e a dissemelhança entre risada e lágrima.

Podemos rir pela ação de um palhaço ou humorista, podemos rir de piadas prontas e infames, podemos rir – embora não devamos – até mesmo do infortúnio alheio, como um tombo de escada. Podemos sorrir na alegria do encontro, na celebração de um nascimento ou nos aniversários. E, mesmo assim, nem sempre o riso ou o sorriso são naturais e sinceros, pois às vezes não passam de gestos formais e noutras beiram a hipocrisia.

O mesmo não acontece na tristeza. Toda lágrima é sincera ao brotar no canto do olho. E quando não brota, permanecendo petrificada, calcificada no peito e na garganta, torna o olhar fosco, opaco e sem vida. Cada ser humano pode sorrir à sua maneira e por motivos diferentes, mas a comoção provocada pela tristeza diante da fome, dos males de amor, das doenças do corpo, das dores da alma e da presença da morte é comum a todos os homens.

Mesmo a mais cruel das criaturas não resiste à perda de um descendente e chora. E a lágrima costuma ser mais autêntica do que o sorriso, pois o segundo pode ser ensaiado diante do espelho e as gargalhadas podem se multiplicar em palcos teatrais ou estúdios cinematográficos.

Porém, a manifestação física da tristeza não se dá apenas pela eclosão da lágrima. Em alguns, ela se manifesta pela sensação de medo e impotência que paralisa os movimentos, enruga a pele da fronte, altera o respirar, inibe os apetites e traz a sensação de frio e a desesperança que empalidece o rosto.

As erupções de tristeza que nos fazem tão semelhantes se manifestam na insegurança da voz, no tremor das mãos e acabam por aproximar nossos corpos e braços em abraços consoladores nos casos de lutos e de outros eventos sinistros, como acontece ao chorarmos diante de atentados, guerras, acidentes e massacres.

Diante da tristeza, ampliamos nossa capacidade reflexiva, perguntamo-nos como poderíamos ter agido, preventivamente, para evitar a circunstância dramática ou desoladora que veio a nos atingir.

Assim, nos momentos em que o semblante se fecha e a testa se franze diante do que parece não ter saída, quando todo corpo procura metabolizar e digerir algum infortúnio surgem os embriões, os germes que darão origem às ideias que construirão novas pontes, estradas e caminhos para que possamos prosseguir nesta viagem apelidada viver ou existir.

Mais do que a necessidade, a tristeza é a mãe da criação.


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